Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB) e de duas startups de Ribeirão Preto encontraram um composto capaz de matar larvas de Aedes aegypti na própolis da abelha sem ferrão conhecida como mandaçaia (Melipona quadrifasciata). Os resultados foram publicados na revista Rapid Communications in Mass Spectrometry.
O trabalho é fruto de apoios da FAPESP e de um projeto financiado pelo Ministério da Saúde para a busca de agentes larvicidas naturais que combatam o mosquito causador de viroses como dengue, febre amarela, chikungunya e zika. Atualmente, esse combate é feito usando um inseticida químico bastante tóxico ao ambiente.
“As abelhas são conhecidas por recolher materiais na natureza para compor a colônia, que em certos casos podem atuar protegendo contra bactérias e fungos invasores. Fizemos uma série de análises na geoprópolis, que mistura resinas vegetais com partículas de terra ou argila em sua composição [a própolis tradicional é feita apenas com resinas, cera e secreções das abelhas]. Observamos que o diterpeno presente nela era responsável pela atividade larvicida”, explica Norberto Peporine Lopes, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP).
Lopes coordena o projeto “Inventariando o metabolismo secundário através da metabolômica: contribuição para a valoração da biodiversidade brasileira”, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA.
Própolis
Em larvas de Aedes aegypti, os pesquisadores compararam a ação da própolis tradicional, produzida pela abelha-europeia (Apis mellifera), com a da geoprópolis da mandaçaia. A primeira teve uma atividade muito baixa, mesmo após 72 horas de exposição. Nos ensaios com a geoprópolis, porém, ocorreu a morte de 90% das larvas em 24 horas e de 100% em 48 horas.
Análises realizadas com ferramentas computacionais apontaram o diterpeno como o mais provável agente larvicida entre os compostos presentes na geoprópolis. Ao estudar os hábitos das abelhas em Bandeirantes, no Paraná, onde a geoprópolis foi coletada, observou-se que as mandaçaias visitam frequentemente plantações de pinus (Pinus elliottii), espécie de árvore do hemisfério Norte cultivada no Brasil para a exploração de madeira e resina.
“Era sabido que a composição química da própolis é influenciada pelas resinas coletadas para a construção e proteção dos ninhos. Assim como pela composição florística do ambiente, do bioma e de fatores sazonais. Nesse caso, ficou claro que a resina do pinus, processada pela saliva das mandaçaias, é que proporciona a ação larvicida”, conta Luís Guilherme Pereira Feitosa, primeiro autor do artigo, realizado com apoio da FAPESP durante doutorado na FCFRP-USP.
Abelha brasileira
As mandaçaias são especialmente interessantes porque são de fácil cultivo, não têm ferrão e são nativas do Brasil. Uma das ideias dos pesquisadores é a valoração de outros produtos produzidos por elas, além do mel.
No caso da própolis, a da mandaçaia se diferenciou da de outras abelhas nativas analisadas no estudo, encontradas no mesmo município: a borá (Tetragona clavipes), a mirim (Plebeia droryana) e a jataí (Tetragonisca angustula). A própolis das três espécies, também nativas e sem ferrão, teve baixa atividade larvicida.
Os pesquisadores explicam que o volume de geoprópolis produzido pelas mandaçaias é muito baixo, o que torna inviável seu uso como agente larvicida. No entanto, o fato de o diterpeno estar na resina do pinus é uma boa notícia. A indústria já produz essa resina em larga escala para aplicações como solventes e colas. Portanto, isso permite submetê-la a processos químicos que imitam as transformações realizadas pelas mandaçaias.
“São modificações que podem formar moléculas com maior atividade do que o composto original. E que podem ser induzidas em biorreatores, equipamentos presentes na indústria farmacêutica”, afirma Lopes.
Segundo Feitosa, o estudo utilizou um fluxo de trabalho que combina diferentes técnicas de espectrometria de massas, método que também serve para identificar compostos com os mais variados propósitos. “Atualmente, buscamos moléculas naturais com ação contra tumores”, diz o pesquisador, que agora realiza pós-doutorado na FCFRP-USP.
Descoberta
A professora Laila Salmen Espindola, da UnB, coordenou o projeto do Ministério da Saúde. E proporcionou ainda a descoberta de outro composto larvicida, presente no óleo essencial de uma planta já produzida em larga escala. O ministério mantém os dados da descoberta, que ainda aguarda publicação.
Os pesquisadores, inclusive, produziram um pó e um comprimido à base do óleo essencial que protegem a água por até 24 dias. O pó mata imediatamente as larvas, enquanto o comprimido, de liberação lenta, se dissolve aos poucos e mantém a água livre dos mosquitos.
É possível ler o artigo Characterization of larvicidal diterpene resin acids in Melipona quadrifasciata geopropolis via LC-ESI-MS/MS, GC–MS and computational analysis no seguinte link: https://analyticalsciencejournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/rcm.10025.
Por André Julião | Agência FAPESP
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