Estudos da Embrapa comprovam que temperatura elevada e metais pesados agravam efeitos de poluentes em espécies aquáticas
Foto: Peixe BR

Pesquisadores brasileiros comprovam que o aquecimento global transforma microplásticos em ameaças ainda mais severas para a vida aquática. A Embrapa e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNNano/CNPEM) conduzem estudos que demonstram como a elevação da temperatura da água intensifica a toxicidade dessas partículas microscópicas.

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A pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), também identifica que metais pesados como o cobre agravam os danos em peixes de valor ambiental e econômico.

Microplásticos e metais pesados: combinação letal nos ecossistemas aquáticos

Os ecossistemas aquáticos já sofrem pressões crescentes da poluição e degradação ambiental. Fragmentos de plástico , os microplásticos, chegam a rios, lagos e oceanos pelo descarte inadequado de resíduos e desgaste de materiais sintéticos.

“No meio aquático, essas partículas não estão sozinhas e podem se combinar a poluentes químicos, sofrer alterações pela radiação solar, além de interagir com variações de temperatura. Esses fatores combinados podem gerar efeitos mais severos para a fauna aquática, desde alterações fisiológicas mais sutis até efeitos mais severos para os organismos”, explica Vera Castro, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente (SP).

Experimentos simulam cenários reais de aquecimento global

A equipe da Embrapa realiza experimentos com zebrafish (Danio rerio) e tilápias (Oreochromis niloticus), simulando condições próximas à realidade ambiental. Os cientistas expõem os peixes a microplásticos envelhecidos pela ação de luz ultravioleta e associados ao cobre, metal comum em rejeitos industriais e agrícolas. Os pesquisadores mantêm a água em temperaturas médias e três graus acima, reproduzindo cenários previstos de aquecimento global.

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“Queremos avaliar não apenas a presença isolada dos microplásticos, mas como eles se comportam e se tornam mais ou menos tóxicos diante de mudanças ambientais concretas, como o aumento da temperatura e a exposição a metais”, explica Castro. A equipe analisa biomarcadores como taxas de sobrevivência, parâmetros hematológicos e respostas bioquímicas, que identificam alterações sutis no metabolismo e na saúde dos peixes antes que mortes ocorram.

Resultados podem impactar segurança alimentar e piscicultura

Os resultados ajudarão a compreender como esses poluentes afetam cadeias alimentares aquáticas e a piscicultura, setor estratégico para a segurança alimentar. Segundo Castro, há indícios de que o calor intensifica a ação tóxica dos microplásticos e do cobre, potencializando danos a tecidos, metabolismo e desenvolvimento dos peixes.

Viviane Bettanin, membro da equipe, durante fase da pesquisa. Foto: Ana Maria Braga/Embrapa

A pesquisa enfrenta obstáculos práticos para executar experimentos em condições controladas. Alfredo Luiz, também pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, explica que no caso do zebrafish, a equipe testa larvas de pequenas dimensões em microplacas com vários poços pequenos, onde colocam os organismos.

“No caso da tilápia, são utilizados peixes juvenis, pois algumas análises são feitas no sangue e é preciso que cada indivíduo tenha um tamanho suficiente para permitir a coleta da amostra sanguínea”, afirma Luiz. Como o experimento precisa de dias para identificar possíveis efeitos dos poluentes, a equipe renova regularmente a água dos aquários para evitar acúmulo de excrementos.

A dificuldade está em manter a concentração de cobre estável, mesmo realizando a troca periódica de parte da água. Além dos cálculos precisos da concentração dos poluentes a cada troca, a amostragem e análise da água monitoram possíveis flutuações.

Interação entre fatores ambientais intensifica danos

O estudo reforça que, no mundo real, os cientistas não podem avaliar a toxicidade dos microplásticos apenas de maneira isolada. Fatores ambientais, como o aquecimento global e poluentes adicionais, interagem de forma a intensificar os danos aos ecossistemas aquáticos. Entender essa interação é crucial para antecipar impactos, desenvolver estratégias de mitigação e proteger não apenas a biodiversidade, mas também atividades econômicas dependentes de águas limpas e saudáveis.

Para Claudio Jonsson, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a elevação da temperatura pode modificar a biodisponibilidade do poluente e aumentar a probabilidade de organismos aquáticos absorverem essas substâncias. Dessa forma, os organismos enfrentam estresses ambientais climáticos e aqueles proporcionados por agentes químicos, o que leva a alterações bioquímicas como o estresse oxidativo. Nesta situação, o organismo gera radicais livres com efeitos deletérios para o metabolismo celular, que a equipe pode medir pela atividade de enzimas (proteínas) antioxidantes.

“O conhecimento dessas interações, em nível subcelular, é relevante para a obtenção de dados sobre concentrações seguras do poluente. Portanto, contribuindo para a proteção da fauna aquática”, destaca Jonsson.

Como o organismo dos peixes responde aos poluentes

Radicais livres

  • Moléculas instáveis surgem no organismo quando há exposição a estresses, como poluição ou aumento da temperatura. Em excesso, podem danificar células, proteínas e até o DNA.

Estresse oxidativo

  • O desequilíbrio entre a produção desses radicais livres e a capacidade do organismo de neutralizá-los compromete o metabolismo e pode reduzir a sobrevivência dos peixes.

Enzimas antioxidantes

  • Funcionam como “defesas internas” contra os radicais livres. Ao medir a atividade dessas enzimas, os cientistas conseguem identificar se os peixes sofrem com o estresse oxidativo antes mesmo de apresentarem sinais visíveis de doença ou morte.

Entender essas reações em nível celular ajuda a determinar concentrações seguras de poluentes. E com isso, protegendo não apenas os ecossistemas. Mas também atividades econômicas dependentes da piscicultura e da pesca.