Resumo da notícia
- O pirarucu terá seu genoma sequenciado e publicado no GenRefBR, plataforma que disponibiliza dados genômicos essenciais para conservação e desenvolvimento sustentável da biodiversidade brasileira.
- O manejo comunitário do pirarucu gerou R$ 4,3 milhões em 2023 no Médio Juruá (AM), e o sequenciamento genômico auxiliará na rastreabilidade e certificação genética, valorizando o produto e protegendo populações.
- O consórcio GBB, com investimento de R$ 110 milhões, reúne mais de 300 pesquisadores e destaca o Brasil como protagonista mundial em genômica da biodiversidade, com metas ambiciosas até 2027.
O consórcio Genômica da Biodiversidade Brasileira (GBB) coloca o pirarucu entre as 80 espécies que terão genomas de referência publicados no Banco de Referências Genômicas de Espécies Brasileiras (GenRefBR). A plataforma, lançada durante a COP30, disponibiliza gratuitamente dados essenciais para conservação e desenvolvimento econômico sustentável.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Tecnológico Vale (ITV) lideram a parceria. O projeto prevê produzir mil genomas populacionais e 1,6 mil códigos de barras de DNA até 2027, com investimento de R$ 110 milhões.
“O mundo não está preparado para ter um país do sul global produzindo pesquisa sobre genômica na escala que estamos fazendo”, avalia Alexandre Aleixo, coordenador do consórcio GBB pelo ITV.
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Pirarucu movimenta milhões e ganha reforço científico
O maior peixe de água doce da Amazônia, o pirarucu (Arapaima gigas), já enfrentou risco de extinção. Hoje, o manejo comunitário recuperou as populações e transformou a espécie em símbolo da bioeconomia ribeirinha. Em 2023, 42 comunidades do Médio Juruá (AM) movimentaram R$ 4,3 milhões com o manejo sustentável do peixe.
O sequenciamento genômico promete adicionar novos capítulos a essa história de sucesso. Os pesquisadores desenvolvem ferramentas de rastreabilidade para criar certificados de origem e proteger populações estratégicas.
“Embora vários trabalhos já tenham tentado fazer isso, nenhum deles levou tão a fundo a questão da genômica quanto o GBB está fazendo”, afirma Valdenor Magalhães, mestre em Biologia de Água Doce pelo Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA) e consultor do GBB desde 2024.
Certificação genética diferencia produto e aumenta valor
Magalhães, que manejou pirarucu por anos, explica como o sequenciamento genômico beneficia as comunidades ribeirinhas. “A partir do momento que você tem um sistema de rastreabilidade, você consegue diferenciar qual peixe que é de manejo, qual é pescado ilegalmente, qual peixe que é advindo da piscicultura e consequentemente estabelecer categorias de valoração para esse produto”.

O Fórum Mundial da Bioeconomia projeta que o setor movimente US$ 30 trilhões até 2050, representando um terço da economia global. Atualmente, a bioeconomia gera US$ 4 trilhões mundialmente.
Brasil lidera protagonismo científico em genômica da biodiversidade
O GBB reúne mais de 300 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais, incluindo Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade de Oxford e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“É a primeira vez que um órgão ambiental ligado ao governo federal participa como cogestor de um consórcio de genômica”, destaca Amely Martins, analista ambiental e coordenadora do GBB pelo ICMBio. Ela ressalta a inovação não apenas na magnitude das metas, mas principalmente na aplicação direta das tecnologias para conservação da biodiversidade.
O consórcio supera barreiras históricas que forçavam pesquisadores brasileiros a realizar estudos no exterior. Custos elevados, dificuldades logísticas no transporte de amostras e falta de equipamentos avançados impediam o país de estudar sua própria biodiversidade.
Além do pirarucu, o GBB destaca o mapeamento de 136 abelhas sem ferrão da Amazônia e a finalização do genoma do açaí. O consórcio seleciona espécies com potencial bioeconômico, espécies ameaçadas de extinção e espécies invasoras que ameaçam a biodiversidade nativa.
DNA ambiental revoluciona monitoramento da biodiversidade
O GBB utiliza DNA Metabarcoding (eDNA), técnica que identifica múltiplas espécies com uma única amostra de fragmentos de DNA coletados da água, solo ou ar. Células de pele, muco, fezes, saliva e organismos mortos revelam todos os vertebrados, invertebrados e microrganismos que passaram por uma área.
A técnica oferece uma “fotografia” do ambiente sem capturar indivíduos vivos. Pesquisadores detectam espécies invasoras, avaliam mudanças na biodiversidade após incêndios e analisam a dieta das espécies. Os resultados saem em semanas, enquanto métodos tradicionais levam meses ou anos.
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O eDNA funciona como códigos de barras de supermercado, mas reconhece espécies com precisão no lugar de identificar preços. O Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade (Monitora) do ICMBio já realiza testes com a tecnologia como protocolo avançado de monitoramento.
“Os dados podem orientar políticas públicas, garantir cadeias produtivas mais seguras e proteger espécies que correm risco real de desaparecer”, afirma Guilherme Oliveira, Diretor Científico do ITV Desenvolvimento Sustentável.
Genômica salva espécies brasileiras da extinção
O consórcio GBB seleciona espécies brasileiras sob risco de extinção para análises genômicas prioritárias. As informações orientam decisões estratégicas como criação de corredores ecológicos e proteção de habitats críticos.
A saíra-apunhalada exemplifica a urgência do trabalho. Esta ave rara, encontrada apenas na Mata Atlântica do Espírito Santo, conta com cerca de 20 indivíduos restantes. A destruição e fragmentação do habitat ameaçam a espécie.
O sequenciamento genômico apoia os Planos de Ação Nacionais de Conservação (PANs) do ICMBio, ações contra tráfico de fauna, decisões sobre criação de reservas e estratégias de manejo.
Genômica e taxonomia trabalham juntas
No Brasil, espécies correm risco de desaparecer sem terem sido descritas. O GBB combina genômica e taxonomia para definir espécies, mapear populações e reconhecer ameaças reais de extinção.
A iniciativa envolve 14 centros de pesquisa e abrange desde organismos subterrâneos vulneráveis, como o Iuiuniscus iuiuensis e outros troglóbios – pequenos animais despigmentados que vivem exclusivamente em cavernas – até gigantes como o peixe-boi.
“A genômica virou uma ferramenta como o microscópio. Ela é poderosa, mas é só mais uma ferramenta. Não substitui o trabalho de descrever, coletar e comparar espécie por espécie”, explica Santelmo Vasconcelos, biólogo e pesquisador do ITV.
GenRefBR democratiza acesso a dados genômicos no Brasil
O GBB criou o GenRefBR para facilitar o acesso a informações genômicas de vertebrados brasileiros. A plataforma pública reúne dados essenciais para pesquisas em conservação, bioeconomia e evolução. O sistema incluirá plantas e invertebrados futuramente.
A criação do banco responde às dificuldades de acessar informações em bancos estrangeiros. Uma estrutura técnica e financeira robusta sustenta a missão, envolvendo logística, sequenciamento avançado de DNA, supercomputação e equipes especializadas em bioinformática.
O futuro do GenRefBR depende da continuidade do financiamento e da possível transformação em iniciativa nacional permanente. O objetivo é garantir que o Brasil ocupe lugar de protagonismo na conservação baseada em dados genômicos.