Pesquisadores da Unesp propõem estratégias para reduzir emissões do gás estufa e questionam metodologia do IBGE que pode inflar dados do rebanho em milhões de cabeças

O Brasil enfrenta um desafio crescente no combate às mudanças climáticas: as emissões de metano da pecuária atingiram níveis recordes em 2023 e afastam o país do compromisso internacional assumido há três anos. Especialistas alertam para a urgência de mudanças nas práticas agropecuárias e questionam a precisão dos dados oficiais sobre o rebanho bovino nacional.

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O Observatório do Clima divulgou dados alarmantes: o Brasil emitiu 20,8 milhões de toneladas de metano em 2023, crescimento de 6% em relação às 19,6 milhões de toneladas registradas em 2020. A agropecuária concentra 75% dessas emissões, com 15,7 milhões de toneladas liberadas na atmosfera — novo recorde nacional e aumento de 1,1% sobre o ano anterior.

A fermentação entérica, processo digestivo dos bovinos popularmente conhecido como “arroto do boi”, responde pela maior parte das emissões. Os números contrariam o compromisso que o Brasil assumiu na COP26, em 2021, quando o país se juntou a mais de cem nações para reduzir em 30% as emissões de metano até 2030, tomando como base os níveis de 2020.

Produtividade: a chave para reduzir emissões

Pesquisadores da Unesp consultados pelo Jornal da Unesp defendem que o Brasil precisa disseminar práticas que aumentem a produtividade na pecuária. A estratégia permite produzir mais carne e leite com menos animais, reduzindo assim a emissão total de metano.

Ricardo Reis, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp em Jaboticabal, dedica duas décadas ao estudo da relação entre manejo de pastagens, suplementação alimentar e emissões de metano. “O grande problema é que, ainda hoje, boa parte dos pecuaristas não entende a pastagem como uma cultura”, afirma.

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O pesquisador explica que os produtores precisam tratar o capim com o mesmo rigor técnico aplicado à soja ou ao milho, investindo em manejo adequado. A falta de cuidados degrada as áreas de pastagem, reduz sua capacidade de alimentar o rebanho e encarece a recuperação. O abandono gera custos ambientais elevados.

Pasto de qualidade reduz metano e estoca carbono

“O que faz com que o animal produza metano é a digestão da fibra de baixa qualidade do capim no rúmen. Quando o boi come um pasto verde e de qualidade, ele vai emitir menos metano”, explica Reis. O professor destaca um benefício adicional: “Ao mesmo tempo, o produtor estoca carbono no solo ao preservar as pastagens. Essa é a forma mais eficiente de mitigação.”

O engenheiro agrônomo Abmael Cardoso, egresso do Programa de Pós-graduação em Zootecnia da FCAV-Unesp, contesta a estimativa oficial de 238,2 milhões de cabeças de gado no Brasil. Segundo ele, a metodologia que o IBGE utiliza ignora os ganhos de produtividade que a pecuária brasileira alcançou nas últimas décadas.

O problema reside na política fundiária. Uma normativa do INCRA determina que a produtividade das fazendas pecuárias deve ser calculada pela taxa de lotação — número de animais dividido pela área da propriedade. Esse critério incentiva os produtores a declarar mais animais para demonstrar maior produtividade.

“Em razão dessa questão metodológica, todo o esforço do Brasil para reformar suas pastagens, adotar sistemas integrados de produção, melhorar a qualidade nutricional, entre outras tecnologias, não está sendo capturado nas estimativas de emissão, porque elas usam os dados de rebanho oficiais do IBGE, que são imprecisos”, afirma Cardoso.

Indicadores mostram descompasso nos dados oficiais

Diversos indicadores de produtividade cresceram nos últimos anos, o que reforça a tese de que os números oficiais não refletem a realidade. Consultorias especializadas em produção de carne demonstram que o Brasil reduziu as áreas de pastagem nas últimas décadas enquanto aumentava a produção de carne.

“Existe um descompasso entre as metodologias aplicadas pela política fundiária para medir a eficiência das propriedades rurais e a política ambiental brasileira”, diz Cardoso. Apesar das críticas, o agrônomo valoriza o trabalho dos órgãos estaduais e do IBGE.

O pesquisador defende estratégias de mitigação concentradas na produtividade da fase de cria, período entre o nascimento e o desmame do bezerro. “Isso vai se refletir, no médio e longo prazo, em um rebanho menor com maior produtividade. E, consequentemente, em uma emissão de metano menor”, conclui Cardoso.