Tecnologia desenvolvida pela Embrapa e UFC pode suprir 100% da energia elétrica da Ceasa-CE e ser replicada em todo o Brasil
Foto: Embrapa

Uma inovação tecnológica desenvolvida no Ceará promete revolucionar o aproveitamento de resíduos orgânicos no Brasil. O Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios, criado pela Embrapa e pela Universidade Federal do Ceará (UFC), consegue transformar até 25 toneladas mensais de frutas e verduras descartadas em energia renovável de alta qualidade.

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A tecnologia surge como solução para um problema que custa caro: mensalmente, a Central de Abastecimento do Ceará (Ceasa-CE) gasta aproximadamente R$ 230 mil apenas para enviar seus resíduos orgânicos ao aterro sanitário. Com o novo sistema, esse passivo se transforma em oportunidade de negócio sustentável.

Segundo o pesquisador Renato Leitão, da Embrapa Agroindústria Tropical, coordenador do projeto, a quantidade de biogás gerada pode suprir 100% da demanda energética da Ceasa-CE nos horários de ponta e ainda gerar um excedente de 20% nos demais períodos.

“Caso não seja utilizado na própria Ceasa, esse biogás pode ser comercializado como biometano após tratamento adequado”, explica Leitão. A alternativa representa redução significativa no impacto ambiental e nos custos de transporte e tratamento de resíduos.

Tecnologia inovadora otimiza produção

O diferencial do sistema está na metodologia aplicada. Enquanto o método tradicional utiliza Reatores de Mistura Completa (CSTR) com limitações operacionais e necessidade de grandes volumes, a nova tecnologia emprega um pré-tratamento inteligente.

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Todos os meses, de 17 a 25 toneladas de frutas e hortaliças – impróprias para o consumo humano – são enviadas ao aterro sanitário do estado, a um custo superior a R$ 200 mil. Foto: Embrapa

O processo separa os resíduos através de trituração e prensagem em duas frações:

  • Fração líquida: tratada em reatores UASB (manta de lodo de fluxo ascendente), altamente eficazes para cargas orgânicas elevadas
  • Fração sólida: direcionada para compostagem, gerando fertilizante de alta qualidade, ou para reatores de metanização seca (ainda em estudos)

Potencial de expansão nacional

A inovação, inicialmente projetada para a Ceasa cearense, tem potencial para ser replicada nas outras 57 centrais de abastecimento distribuídas pelo território brasileiro. O impacto seria considerável, considerando que o Brasil desperdiça aproximadamente 42% dos alimentos produzidos ao longo da cadeia produtiva.

Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicam que cerca de 30% das frutas e vegetais comercializados nas Ceasas são perdidos – totalizando 10,9 milhões de toneladas anuais no país.

Paralelamente ao desenvolvimento do biogás, os pesquisadores investigam a produção de biohidrogênio a partir dos mesmos resíduos. Utilizando fermentação escura em reatores AnStBR, a técnica, embora ainda não competitiva em volume, abre perspectivas para uma nova rota de energia limpa no futuro.

Destaque em evento científico internacional

A tecnologia será apresentada durante o XV Workshop e Simpósio Latino-Americano de Digestão Anaeróbia (XV DAAL), que acontece entre 14 e 17 de outubro de 2025, em Fortaleza. O evento, considerado o principal fórum científico sobre digestão anaeróbia na América Latina, reunirá especialistas de centros de pesquisa mundiais.

“O impacto pode ser enorme: energia limpa, menos resíduos, mais empregos e economia circular na prática”, destaca André dos Santos, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC.

Para ampliar a escala de produção, os pesquisadores planejam a construção de uma unidade-piloto maior para calibrar os equipamentos. O sistema representa uma solução promissora para transformar grandes volumes de resíduos orgânicos em energia renovável, reduzindo simultaneamente custos de descarte e emissões de gases do efeito estufa.

A iniciativa coloca o Ceará na vanguarda da economia circular aplicada ao setor alimentício, oferecendo um modelo sustentável que pode ser expandido nacionalmente.

A produção de biogás ocorre através da digestão anaeróbia – processo de transformação microbiana da matéria orgânica em bioprodutos energéticos na ausência de oxigênio. Além da geração de energia renovável, o processo permite recuperar nutrientes do lodo gerado e mitigar emissões de gases do efeito estufa.