Pesquisa revolucionária questiona presença de azeite em artefatos antigos do mediterrâneo
Foto: Wenderson Araujo/Trilux/Sistema CNA/Senar

Durante décadas, arqueólogos ao redor do mundo celebraram descobertas de resíduos de azeite de oliva em cerâmicas antigas do Mediterrâneo como evidência do uso milenar deste ingrediente essencial. No entanto, uma pesquisa inovadora publicada no Journal of Archaeological Science questiona se essas identificações estavam realmente corretas.

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O novo estudo, liderado pela arqueóloga Rebecca Gerdes, da Universidade Cornell, demonstra que as características químicas dos solos ricos em cálcio encontrados na região mediterrânea podem ter levado a identificações equivocadas de azeite de oliva em artefatos da Idade do Bronze.

O experimento que mudou perspectivas

A pesquisa começou em 2019. Gerdes, então estudante de doutorado com formação em química e arqueologia, decidiu investigar como os resíduos orgânicos se comportam ao longo do tempo em diferentes tipos de solo.

“Eu costumo descrever meu trabalho de maneira simples. Lavo pratos sujos antigos, guardo a água da enxágue e uso as moléculas nela para descobrir como as pessoas usavam suas panelas”, explicou Gerdes em comunicado oficial.

Impedida de viajar a Chipre devido às restrições da pandemia de COVID-19, a pesquisadora trouxe amostras do solo cipriano para o Laboratório de Saúde do Solo da Cornell. Ali, em parceria com a engenheira química Jillian Goldfarb, desenvolveu um experimento inovador para simular condições de preservação arqueológica.

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A equipe criou pellets cerâmicos de argila terracota, mergulhou-os em azeite de oliva e os enterrou em dois tipos de solo: um de Chipre, rico em cálcio e alcalino, e outro dos campos agrícolas de Nova York, levemente ácido. As amostras permaneceram em incubadoras a 50°C por até um ano, acelerando o processo de degradação.

“Conseguimos fazer isso no laboratório em uma taxa acelerada, para que eu não tivesse que esperar 3.000 anos para terminar meu doutorado”, brincou a pesquisadora.

Resultados surpreendentes

Os resultados foram reveladores: o solo alcalino e rico em cálcio de Chipre degradou significativamente os resíduos de azeite de oliva. Os biomarcadores específicos de óleos vegetais, conhecidos como ácidos dicarboxílicos, apresentaram perdas consideráveis em comparação com as amostras enterradas no solo de Nova York.

Mais preocupante ainda. À medida que o azeite se degrada nessas condições, sua composição molecular começa a se assemelhar à de gorduras animais. Criando potencial para identificações completamente equivocadas.

“Há definitivamente um sentimento entre os arqueólogos de querer acreditar que você encontrou azeite de oliva, porque faz uma boa história”, admitiu Gerdes. “E porque é um produto mediterrâneo economicamente tão importante, há uma suposição padrão de que, se você encontrou moléculas que correspondem ao azeite de oliva, então você deve ter encontrado azeite de oliva.”

Implicações para a arqueologia mediterrânea

A descoberta tem implicações profundas para a compreensão do comércio e da alimentação na Idade do Bronze Tardia (aproximadamente 1650 a 1100 antes da Era Comum). Muitas cerâmicas escavadas há anos, antes do desenvolvimento de tecnologias mais avançadas de análise, podem precisar ser reavaliadas.

O estudo não testou diretamente artefatos preservados, mas oferece uma metodologia para reexaminar descobertas anteriores. Pode haver outros óleos vegetais ou gorduras animais nas relíquias arqueológicas esperando para serem corretamente identificados.

“Uma das coisas que percebi no início do meu doutorado era que as pessoas faziam todo tipo de afirmação sobre o que encontraram em potes no Mediterrâneo Oriental. E havia muito espaço para embasar essas afirmações com experimentação mais sólida”, disse Gerdes.

O futuro da análise de resíduos orgânicos

A análise de resíduos orgânicos já é uma subdisciplina estabelecida da arqueologia, unindo químicos e arqueólogos para estudar a composição molecular de restos vegetais e animais. No entanto, este estudo destaca a importância de revisitar descobertas antigas com tecnologias modernas e considerar as condições ambientais específicas de cada sítio arqueológico.

O trabalho de Gerdes demonstra que o contexto geológico é crucial para interpretar corretamente os vestígios químicos do passado. O solo de Chipre, comum em grande parte do Mediterrâneo Oriental, afeta múltiplos períodos históricos importantes, particularmente aqueles relacionados ao comércio e conectividade regional.

Com estas descobertas, arqueólogos terão agora a oportunidade de reexaminar artefatos já catalogados. Revelando uma imagem mais precisa da dieta e das práticas culinárias das civilizações antigas. A pesquisa também serve como alerta para futuros estudos: a preservação de resíduos orgânicos varia drasticamente dependendo das condições do solo.

Portanto, como concluiu Gerdes, ainda há muito trabalho pela frente. Parece que ela precisará continuar “lavando esses pratos sujos” para desvendar os verdadeiros segredos da culinária antiga do Mediterrâneo.