Resumo da notícia
- Pesquisadores brasileiros criaram uma técnica que une termovinificação e leveduras nativas do Vale do São Francisco para melhorar a qualidade dos vinhos Syrah produzidos no semiárido, elevando teor alcoólico e complexidade aromática.
- O método aquece as uvas a 65°C por duas horas antes da fermentação, aumentando a extração de compostos fenólicos, eliminando microrganismos indesejados e prolongando a vida útil dos vinhos com cor e estrutura intensificadas.
- Leveduras autóctones da região demonstram resistência a condições adversas e proporcionam uma identidade sensorial única, agregando valor regional e potencial competitivo no mercado nacional e internacional.
- A inovação também promove sustentabilidade e economia circular, permitindo a comercialização das leveduras locais e contribuindo para uma produção vinícola mais equilibrada e adaptada ao clima quente e seco do semiárido.
Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma técnica revolucionária que promete elevar o padrão dos vinhos Syrah produzidos no semiárido brasileiro. O método combina termovinificação com leveduras nativas da região do Vale do São Francisco e já apresenta resultados expressivos na melhoria da qualidade e competitividade dos vinhos tropicais.
O estudo, conduzido por cientistas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE) e Embrapa, demonstrou que a união entre termovinificação e leveduras autóctones aumenta significativamente a eficiência do processo fermentativo e eleva o teor alcoólico dos vinhos tintos para até 14%.
A termovinificação consiste em aquecer as uvas a aproximadamente 65°C durante duas horas antes da fermentação. Esse processo otimizado favorece a extração de compostos fenólicos, elimina microrganismos indesejáveis e reduz a atividade de enzimas pectinolíticas, resultando em vinhos com maior intensidade de cor, melhor estrutura e vida de prateleira prolongada.
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Identidade regional e sustentabilidade na produção de vinhos
As leveduras nativas isoladas da microbiota natural de uvas Vitis viniferas do Vale do São Francisco demonstraram desempenho superior mesmo em condições adversas, como alta concentração alcoólica. Segundo Islaine Santos Silva, autora da tese de doutorado que originou a pesquisa, o metabolismo mais lento dessas leveduras proporciona maior complexidade aromática ao vinho.

“As leveduras autóctones podem originar uma identidade sensorial única que pode ser estratégica para valorizar os vinhos do Vale do São Francisco no mercado nacional e internacional”, destaca a pesquisadora.
Economia circular e valor agregado à produção local
Além de fortalecer a identidade regional da bebida, a técnica contribui para a economia circular, uma vez que as leveduras podem ser comercializadas posteriormente. O uso de recursos microbiológicos locais representa uma alternativa sustentável para a produção vinícola em regiões de clima quente e seco, especialmente relevante no contexto das mudanças climáticas.
O professor Marcos dos Santos Lima, do IF Sertão-PE, explica que a pesquisa também analisou a formação de glicerol durante o processo fermentativo. Esse álcool, presente em concentrações entre 5 e 15g/L nos vinhos tintos, suaviza as sensações de acidez e adstringência, realçando o corpo e as notas frutadas da bebida.
O maior teor de glicerol registrado no estudo foi de 9,70 g/L, obtido em tratamento com levedura autóctone, demonstrando o potencial dessas cepas para produção de vinhos mais equilibrados e complexos.
Leveduras não-saccharomyces: de deteriorantes a aliadas da qualidade
A analista da Embrapa Uva e Vinho, Bruna Carla Agustini, revela que as leveduras Hanseniaspora opuntiae e Saccharomyces cerevisiae foram isoladas de uvas Itália e Cabernet Sauvignon cultivadas no Vale do São Francisco. A identificação foi realizada através de técnicas avançadas como espectrometria de massas MALDI-TOF e biologia molecular.
“O uso de espécies não-Saccharomyces na vinificação tem despertado interesse pela capacidade dessas leveduras em melhorar a qualidade aromática dos vinhos”, comenta Bruna. Ela explica que a cultura mista de Hanseniaspora opuntiae e Saccharomyces cerevisiae resultou em vinhos com maior complexidade química e sensorial.
Indicação de procedência e posicionamento internacional
Para Aline Biasoto, coordenadora do projeto aprovado pela Embrapa e atual pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, a integração entre ciência e inovação pode posicionar o Vale do Submédio São Francisco como polo de vinhos diferenciados no mercado global.
Ana Paula Barros, professora de viticultura e enologia do IF Sertão-PE, ressalta que o estudo valoriza a recente Indicação de Procedência (IP) dos vinhos da região. “A pesquisa demonstra como práticas enológicas e a exploração da microbiota local podem elevar a qualidade dos vinhos, reforçando o caráter único da região e fortalecendo a IP como selo de identidade e excelência do Vale do São Francisco”, afirma.
Vinhos jovens e consumo rápido: técnica ideal para o mercado brasileiro
Ana Cecília Poloni Rybka, pesquisadora da Embrapa Semiárido que participou da análise sensorial, destaca que as técnicas são especialmente indicadas para vinhos de consumo rápido, perfil predominante dos vinhos tropicais do Vale do São Francisco.
O trabalho foi conduzido na Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), utilizando uvas Syrah do Campo Experimental de Bebedouro, cultivadas em sistema espaldeira e irrigadas por gotejamento. O processo fermentativo durou 14 dias, período no qual foram avaliados diversos parâmetros químicos e sensoriais.
A pesquisa representa um marco para a vitivinicultura brasileira ao demonstrar que a combinação entre práticas enológicas inovadoras e recursos microbiológicos locais pode gerar vinhos competitivos no mercado internacional, mantendo características únicas que diferenciam a produção tropical das regiões vinícolas tradicionais.