Pesquisadores testam métodos de pesca alternativos para reduzir captura acidental de tubarão criticamente ameaçado no litoral paulista
Foto: Christopher Mark

A sobrevivência do tubarão mangona nas águas brasileiras depende de uma improvável aliança entre ciência e tradição. Em Iguape, no litoral sul paulista, pescadores artesanais trabalham lado a lado com pesquisadores da Unesp para desenvolver técnicas que protejam uma das espécies marinhas mais ameaçadas do Atlântico Sul.

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Apreciado por sua carne saborosa, o mangona enfrenta um futuro incerto. Dados alarmantes indicam queda de 80% na população global nos últimos 74 anos. No Brasil, onde a espécie praticamente desapareceu entre as décadas de 1980 e 1990, sua pesca é proibida desde 2014,  mas a captura acidental continua sendo um problema grave.

Ciência e comunidade tradicional juntas

Santiago Montealegre Quijano, biólogo da Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira da Unesp, lidera há três anos um projeto pioneiro que envolve diretamente os pescadores locais. A iniciativa busca conscientizar sobre a importância ecológica do mangona e, principalmente, desenvolver alternativas de pesca mais seguras.

“Agora, os pescadores passaram a ver a Unesp como um apoio científico, especialmente por compreenderem que estavam sendo injustamente enquadrados por um crime quando ocorria uma captura acidental”, explica Quijano.

Covos: uma solução que encontrou obstáculos

Durante três anos, o grupo realizou mais de 30 expedições para testar covos, que são armadilhas subaquáticas posicionadas no leito marinho, feitas com malha e isca para atrair peixes. A vantagem é clara: tubarões mangona, que podem atingir três metros de comprimento e pesar 250 quilos, são grandes demais para entrar nessas estruturas.

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O pescador Lucas Gabriel reconhece os benefícios ambientais: “A ideia de usar os covos foi maravilhosa. É uma técnica que não agride outras formas de vida e consegue capturar apenas peixes pequenos, sem colocar em risco tartarugas, golfinhos, raias ou tubarões”.

Quijano e um dos pescadores do projeto montando um covo. Foto: Conservation Connect.

Porém, a geografia local apresentou desafios inesperados. A região de Iguape e Juréia caracteriza-se por estuários com fundo lamacento, que enchiam os covos de lama e dificultavam enormemente sua retirada manua. Lembrando que se trata de pesca artesanal, sem equipamentos mecânicos.

Aprendizado para o futuro

Embora os covos não tenham vingado neste formato, o projeto estabeleceu algo ainda mais valioso: confiança mútua entre universidade e comunidades tradicionais. Quijano planeja testar novos modelos de armadilhas que acumulem menos sedimentos.

Enquanto isso, os pescadores implementam protocolos de liberação quando ocorre captura acidental: manter o mangona sempre de barriga para baixo, cortar rapidamente a rede para minimizar estresse, e evitar áreas e épocas do ano com maior concentração da espécie.

“O mangona está presente em toda a Juréia, mas existem locais e épocas do ano que estão presentes em maior quantidade”, explica Lucas Gabriel, demonstrando o conhecimento tradicional que agora se soma à pesquisa científica.

Um problema transnacional

O tubarão mangona habita áreas costeiras ao redor do mundo, exceto a Antártica e a costa oeste das Américas. No Atlântico Sul, distribui-se do Sudeste brasileiro até a Argentina, dentro do chamado “mar patagônico”, um grande ecossistema marinho transnacional reconhecido oficialmente em 2004.

Foto: Amaury Laporte

A vulnerabilidade da espécie tem razões biológicas: maturação sexual tardia e baixa fecundidade dificultam a recuperação populacional. Some-se a isso o habitat próximo à costa, que facilita a captura, e o resultado é uma espécie classificada como “criticamente ameaçada”.

Desafios além das fronteiras brasileiras

Enquanto o Brasil proíbe pesca e comercialização desde 2014, países vizinhos mantêm políticas mais permissivas. Na Argentina, a pesca esportiva é permitida com devolução obrigatória. No Uruguai, a pesca comercial segue legal, e a carne do animal mantém consumidores fiéis em todo o cone sul.

“O mangona era um prato muito apreciado. Inclusive, muitas pessoas nem sabiam que é um tubarão. Chegam aos restaurantes e pedem por ‘mangona’ diretamente”, relembra Quijano, que colaborou com Renato Freitas, da Universidade Federal de Santa Catarina, em pesquisas sobre o habitat da espécie.

Freitas complementa: “Até pouco tempo atrás, nas praias de Santa Catarina, o pessoal enfileirava na areia os mangonas pescados”.

A experiência de Iguape demonstra que a conservação marinha depende tanto de políticas públicas quanto do engajamento de quem vive do mar. Para o tubarão mangona, essa pode ser a última chance de sobrevivência.