Tecnologia de bioflocos desenvolvida pela Embrapa e Itaipu alcança 98% de sobrevivência dos peixes e diminui drasticamente a poluição ambiental
Foto: Gabriel Pupo Nogueira/Embrapa

Uma nova tecnologia promete revolucionar a aquicultura brasileira. O sistema de bioflocos (BFT) desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente em parceria com a Itaipu Binacional demonstrou ser capaz de produzir tilápia com uso mínimo de água e redução significativa do impacto ambiental.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

O estudo, realizado durante 70 dias em tanques experimentais, comprovou que a técnica utiliza apenas 135 litros de água por quilo de peixe produzido — uma economia expressiva em comparação aos métodos tradicionais.

Durante o período experimental, foram produzidos quase 5 mil alevinos de tilápia em cada tanque circular de 4,2 m³, mantendo alta densidade de 395 peixes por metro cúbico. Os resultados impressionaram os pesquisadores.

“Alcançamos taxa de sobrevivência de 98%, peso médio final de 20,4 gramas e conversão alimentar aparente de apenas 1,05. Isso significa que apenas 1,05 kg de ração foram necessários para produzir 1 kg de peixe”, explica Tainara Blatt, técnica agrícola da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Foz do Iguaçu.

Segundo a especialista, a eficiência está relacionada ao consumo do floco microbiano, que funciona como alimento complementar rico em proteínas e bactérias probióticas.

CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE

Redução drástica na liberação de poluentes

Um dos principais destaques da pesquisa foi a redução na carga de nutrientes lançada no ambiente. O sistema BFT reteve 45,4% do nitrogênio, 46,3% do fósforo e 29,7% do carbono fornecidos pela ração.

Biometria de alevinos de tilápia – Foto: Tainara Blatt/Embrapa

“Ao fim do ciclo, a carga residual por tonelada de peixe foi de 10,24 kg de fósforo, 46,63 kg de nitrogênio e 442,47 kg de carbono. Nos sistemas tradicionais, como tanques-rede, esses valores podem chegar a 18,25 kg de fósforo, 77,50 kg de nitrogênio e 700 kg de carbono”, compara Hamilton Hisano, pesquisador da Embrapa.

Como funciona o sistema de bioflocos

A eficiência do BFT se deve à reciclagem de nutrientes pela ação de microrganismos que formam os bioflocos. Os técnicos monitoram continuamente a água dos tanques e controlam com rigor a temperatura, o oxigênio dissolvido, os sólidos suspensos e os nutrientes.

O equilíbrio do sistema é mantido pela adição de açúcar como fonte de carbono, preservando a proporção carbono:nitrogênio em 12:1. Essa estratégia favorece o crescimento bacteriano em detrimento de algas.

Como sistema fechado, o BFT oferece maior controle sobre a produção e os resíduos gerados, reduzindo o risco de escape de espécies e contaminação ambiental.

Desafio energético precisa ser superado

Apesar dos benefícios ambientais, André Watanabe e Celso Buglione, da Itaipu Binacional, identificaram um ponto crítico: o elevado consumo energético, estimado em 114,6 megajoules por quilo de peixe produzido.

“A necessidade de aeração contínua exige muita energia. Para ampliar a adoção do BFT, é urgente investir em fontes renováveis e aprimorar a eficiência dos equipamentos”, afirmam os especialistas.

Outro diferencial é o reaproveitamento dos resíduos sólidos removidos do sistema. Com potencial para serem transformados em fertilizantes ou ingredientes para ração, esses subprodutos podem agregar valor e contribuir para a economia circular.

Solução ideal para regiões com escassez de água

A baixa necessidade de renovação hídrica posiciona o BFT como alternativa estratégica para o semiárido e áreas periurbanas com uso restrito da água. O sistema também amplia a biossegurança e potencializa a produção em regiões urbanas.

O pesquisador colaborador do projeto, Alex Cardoso, destaca que o grupo pode futuramente incorporar ferramentas como a análise do ciclo de vida e o cálculo da pegada de carbono para mensurar com mais precisão os impactos ambientais.

Produtores aprovam tecnologia na prática

Durante o International Fish Congress & Fish Expo Brasil 2025, mais de 30 participantes entre produtores, técnicos e estudantes conheceram a tecnologia em funcionamento na vitrine tecnológica instalada na usina de Itaipu.

Valério Angelozi, produtor participante, demonstrou entusiasmo. “As técnicas de manejo de água são fundamentais para o bem-estar dos peixes e evitam perdas. O sistema reutiliza a água e promove sustentabilidade. Já penso em construir uma unidade experimental na minha propriedade”, revela.

Flávio Cesar Urizzi, da SJ Fish, que já produz tilápia em sistema BFT, confirmou que os pontos críticos da pesquisa coincidem com a vivência dos produtores. “A densidade adequada de peixes por metro cúbico é determinante para viabilizar financeiramente os projetos. O sistema se destaca por manter alimento sempre disponível, resultando em peixes mais fortes e de maior qualidade”, afirma.

Os pesquisadores concluem que o sistema BFT oferece uma solução tecnicamente viável e ambientalmente mais segura para a intensificação da aquicultura. Seu uso racional de recursos naturais e a capacidade de reter nutrientes o posicionam como alternativa estratégica frente às pressões por segurança alimentar e preservação dos ecossistemas.

O trabalho com bioflocos na Embrapa Meio Ambiente começou em 2013 e ganhou novo impulso com a parceria da Itaipu Binacional. O estudo atual é uma continuidade de pesquisas iniciadas há três anos que já haviam comprovado vantagens dessa tecnologia.