No Semiárido brasileiro, onde a seca e a escassez de água são históricas, uma nova atividade vem mudando o cenário rural. Famílias do Agreste de Alagoas apostam na criação de camarão em água salobra para gerar renda e melhorar de vida.
Com apoio da FAO, do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Sebrae, pequenos produtores alagoanos recebem assistência técnica. Em geral, o projeto oferece ferramentas digitais para monitorar e melhorar a produção, além de formações sobre associativismo e cooperativismo. Atualmente, a iniciativa atende seis municípios do interior alagoano, um dos estados mais pobres do Brasil. O objetivo é fortalecer a aquicultura local e incentivar o uso sustentável dos recursos disponíveis.
Modelo do Sul inspira projeto no Nordeste

O Brasil ocupa a quarta posição entre os maiores produtores de tilápia no mundo. A maior parte da produção ocorre no Sul, impulsionada por cooperativas. Agora, o projeto quer replicar esse modelo no Nordeste, com foco na carcinicultura.
Em Alagoas, a água salobra antes vista como obstáculo se tornou fonte de renda. Como resultado, a produção de camarão marinho cresceu de 435 toneladas em 2018 para 1,6 mil toneladas em 2023.
Rejane e os nove irmãos de Coité do Nóia

A produtora rural Rejane Madalena de Alcântara viu a vida mudar com a união familiar. Junto aos oito irmãos, transformou a antiga fazenda do pai em polo de produção de camarão.
Tudo começou em 2018, quando um dos irmãos, professor da rede pública, ouviu sobre os resultados da carcinicultura na região. Ele investiu parte do salário nos primeiros viveiros. O sucesso inicial motivou os demais irmãos, que construíram 29 tanques no terreno da família.
Hoje, cada irmão administra seu próprio açude. Além disso, os sobrinhos também participam do processo, formando uma rede intergeracional de trabalho. Todos integram a Associação dos Criadores de Camarão de Alagoas.
“Já conseguimos pagar nosso irmão e ainda temos lucro”, comemora Rejane. Ela usa os R$ 3 mil mensais da produção para custear as despesas da casa e o tratamento do filho autista. “Começamos com dificuldade, mas com apoio técnico e esforço, aumentamos a produtividade.”
Marinho troca a fábrica pelo campo

Marinho Eduardo Martins cresceu na agricultura de subsistência em Arapiraca. A família vivia da plantação de abacaxi, feijão e mandioca, mas os ganhos eram baixos. Ele decidiu tentar a vida nas fábricas da cidade. Anos depois, ao ver o sucesso de vizinhos com a carcinicultura, Marinho voltou ao campo. Mesmo com a desconfiança do pai, decidiu construir dois tanques para criação de camarões.
“Meu pai achava arriscado. Mas eu insisti, e deu certo”, lembra. Hoje, cada ciclo de 60 a 90 dias rende até R$ 15 mil. “Nossa vida mudou da água para o vinho. Agora temos renda garantida.”
Com apoio técnico e da Associação dos Criadores de Camarão, Marinho aprendeu a manejar a produção com responsabilidade. Em resumo, ele monitora água e solo, usa probióticos e garante bons resultados. “Nunca tive prejuízo. Só lucro”, afirma.
Iury lidera produção e mobilização

O engenheiro de pesca Iury Amorim viu na carcinicultura uma chance real para desenvolver sua região natal. Depois de estudar no Sul, voltou a Coité do Nóia e investiu no primeiro viveiro escavado da família.
Ao mesmo tempo, a novidade despertou a curiosidade dos vizinhos. “Parecia um estacionamento de carro, de tanta gente olhando”, conta. Os camarões se desenvolveram bem, e o entusiasmo se espalhou.
Com apoio da prefeitura e assistência técnica, Iury fundou a Associação dos Criadores de Camarão de Alagoas. Hoje, a entidade reúne mais de 80 famílias, opera 180 viveiros e produz mais de mil toneladas por ano.
Além de presidir a Associação, Iury atua como extensionista do projeto da FAO. Portanto, ele orienta produtores locais sobre boas práticas, conectando o conhecimento técnico ao saber tradicional. “A água salobra, antes desprezada, virou base de uma economia familiar que muda vidas”, afirma.
Organização e tecnologia aumentam renda
A Associação também fortaleceu a comercialização e reduziu custos. Ou seja, os produtores agora compram insumos de forma coletiva, o que melhora a autonomia e os resultados. “Cada novo tanque representa uma família com renda, dignidade e esperança”, resume Iury. A atuação da associação ajuda a consolidar a atividade como alternativa sustentável para o Semiárido.
Nos próximos meses, extensionistas da FAO, MPA e Sebrae visitarão regularmente os produtores, incluindo Rejane e Marinho. O objetivo é aprimorar ainda mais a produção de camarão com base em dados concretos. Ou seja, com auxílio de uma plataforma digital, técnicos vão monitorar as condições da água, tamanho das safras e práticas de manejo. Portanto, com essas informações, cada aquicultor receberá um Plano de Ação personalizado.
A expectativa é tornar a produção mais eficiente, reduzir custos e ampliar a renda das famílias do Agreste alagoano. A aquicultura em água salobra surge como uma nova rota de desenvolvimento no Semiárido.
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