O uso inadequado do solo nas regiões de nascente afeta diretamente a qualidade da água, a biodiversidade aquática e a capacidade dos ecossistemas de fornecer serviços essenciais. Um estudo recente da Embrapa Meio Ambiente, realizado na Bacia do Rio Jaguari, no sul de Minas Gerais, comprova essa relação. Essa bacia integra o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de milhões de pessoas.
A pesquisadora Mariana Silveira Moura e Silva analisou três riachos da bacia com diferentes níveis de conservação: Monte Verde, com mais de 90% da vegetação nativa preservada; Toledo, impactado por pastagens e hortas; e Extrema, em processo de reflorestamento com apoio de programas de pagamento por serviços ambientais. Os resultados mostram que a saúde dos ecossistemas aquáticos depende diretamente do estado da vegetação ripária, a mata que protege as margens dos cursos d’água.
Nos riachos degradados, o estudo registrou aumento de fósforo, nitrogênio e outros nutrientes ligados ao uso de fertilizantes, além de alterações na temperatura da água e na composição da fauna bentônica. Toledo apresentou sinais claros de poluição, com predominância de organismos resistentes à degradação, como Oligochaeta, Hirudinea e bivalves. Em contrapartida, Monte Verde destacou-se pela alta diversidade de macroinvertebrados sensíveis à contaminação, como Perlidae, Phylopotamidae e Grossosomatidae.
Coleta de dados
A coleta de dados durou nove meses, abrangendo períodos secos e chuvosos. Foram analisados mais de 39 mil macroinvertebrados, utilizando métricas como a porcentagem de insetos das ordens Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera (%EPT) – reconhecidas como indicadores de boa qualidade ambiental – e o índice de diversidade de Shannon-Wiener. Esses parâmetros identificaram claramente os impactos do uso intensivo do solo.
A análise estatística revelou que fatores locais, como tipo de vegetação, uso do solo e características do habitat, influenciam mais a qualidade da água do que as variações sazonais. Ou seja, a degradação ou preservação do entorno dos riachos determina a saúde dos ecossistemas durante todo o ano.
O estudo também apontou uma lacuna preocupante: os riachos de cabeceira, essenciais para o funcionamento das bacias hidrográficas, não constam nos programas de monitoramento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Essa ausência dificulta a gestão eficiente dos recursos hídricos e ameaça o abastecimento de áreas urbanas, como a Região Metropolitana de São Paulo.
Recomendação
Os pesquisadores recomendam restaurar a vegetação ripária e adotar práticas agrícolas sustentáveis para recuperar a integridade ecológica dos riachos e garantir água de qualidade. As matas ciliares protegem os cursos d’água da entrada de poluentes, regulam a temperatura, evitam o assoreamento e mantêm habitats aquáticos complexos e biodiversos.
Além disso, o uso de macroinvertebrados como bioindicadores oferece uma ferramenta acessível e eficaz para monitorar continuamente os ecossistemas. Mesmo métricas simples, baseadas na presença ou ausência de certas famílias de organismos, permitem avaliar o impacto ambiental e orientar políticas públicas de conservação.
As diferenças entre os riachos estudados reforçam a ligação entre a qualidade da água e o uso do solo nas nascentes. Monte Verde apresenta altos índices de %EPT e baixa frequência de organismos tolerantes, indicando ambiente bem conservado. Toledo reflete os impactos das práticas agrícolas não sustentáveis, enquanto Extrema mostra recuperação parcial, ainda afetada por legados da degradação.
O estudo conclui que conservar e restaurar os riachos de cabeceira é fundamental para manter os serviços ecossistêmicos e proteger a biodiversidade. Além de garantir o abastecimento futuro de água. Sem vegetação nativa nas margens, os pequenos cursos d’água perdem a capacidade de sustentar a vida e regular os ciclos hidrológicos, agravando os riscos diante das mudanças climáticas e da expansão agrícola nas áreas de nascente.
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