A crise sanitária provocada pela “morte descendente” da mandioca, causada pelo fungo Ceratobasidium theobromae, mobilizou especialistas, lideranças tradicionais e instituições públicas em um workshop internacional realizado entre os dias 24 e 27 de março, em Belém, no Pará. O encontro reuniu mais de 100 participantes do Brasil, França, Guiana Francesa, Colômbia e Suriname, com o objetivo de traçar estratégias para conter a disseminação da praga e proteger a cultura da mandioca, essencial para a segurança alimentar e a economia de milhares de comunidades.
O evento foi organizado por meio de parceria entre instituições brasileiras e francesas, incluindo a Embrapa, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o CIRAD (Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento), o IRD (Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento), além de entidades regionais e representantes de comunidades tradicionais.
Emergência fitossanitária ameaça produção de mandioca no Norte do país
No Brasil, a doença foi detectada inicialmente em 2022, na região do Oiapoque (AP). E se espalhou rapidamente, levando o governo federal a decretar emergência fitossanitária nacional por meio da Portaria nº 769, de 30 de janeiro de 2025. A medida visa intensificar ações de contenção e prevenção, diante do risco de disseminação para outras regiões produtoras do país.
De acordo com o chefe-geral da Embrapa Amapá, Antônio Cláudio Carvalho, a rápida progressão da doença surpreendeu os pesquisadores. “Em dois meses, uma roça foi praticamente dizimada. Inicialmente, cogitamos falhas no manejo, mas a velocidade e extensão do problema apontam para algo mais grave”, relatou.
As análises identificaram duas variedades de mandioca cultivadas por povos indígenas – “Xingu” e “Teré Teré” – como mais tolerantes à doença, o que levou à criação de campos de multiplicação para garantir a produção em 2025. Além disso, estudos avançam na busca por soluções químicas e biológicas contra o fungo.
Cooperação internacional reforça combate à praga
O workshop destacou a importância da cooperação transfronteiriça para enfrentar a ameaça fitossanitária. “O fungo não respeita fronteiras. A colaboração entre países é essencial para proteger nossos sistemas alimentares”, afirmou Pierre Marraccini, diretor regional do CIRAD. Pesquisadores apontam que a praga tem origem na Ásia e já afetou países do Sudeste Asiático entre 2005 e 2010, como Vietnã e Tailândia.

Representantes das comunidades tradicionais ressaltaram os impactos econômicos e culturais da doença. “A mandioca é nossa base: alimento, tradição e renda. Mais de duas mil famílias vivem dessa cultura”, declarou o cacique Edmilson Oliveira, do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque.
Do lado francês, Bruno Apouyou, vice-presidente do Conselho das Populações Ameríndias e Bushinenge da Guiana Francesa, reforçou a importância de preservar a diversidade genética da mandioca. “Não usamos uma única variedade, mas muitas. A pesquisa deve respeitar essa riqueza”.
Impacto socioeconômico e estratégias futuras
Estudos apresentados durante o evento alertam para impactos significativos caso a doença avance em escala nacional. Segundo o chefe da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Francisco Laranjeira, o prejuízo pode ultrapassar R$ 5 bilhões. Afetando produtos derivados como farinha, fécula e pão de queijo, com reflexos na cesta básica e na inflação.
O evento também contou com apresentações de dados epidemiológicos e protocolos de diagnóstico molecular desenvolvidos pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), da Colômbia, que colaboram com o rastreamento do fungo.

Nos dias finais do workshop, os participantes participaram de oficinas e plenárias para construir um plano de ação conjunto entre governos, centros de pesquisa e comunidades. A diretora da Embrapa, Ana Euler, destacou que o foco agora é transformar as discussões em políticas públicas e estratégias de curto, médio e longo prazo. “O conhecimento compartilhado neste encontro reforça nossa capacidade de resposta às emergências sanitárias que colocam em risco a segurança alimentar regional”, concluiu.
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