Comportamento revela instinto adaptativo mas também necessita atenção

A cena chama atenção de qualquer pessoa: uma vaca se ergue completamente nas patas traseiras, esticando o pescoço ao máximo pra alcançar uma manga suculenta pendurada nos galhos da árvore. O vídeo é daqueles que a gente assiste duas, três vezes, e compartilha nos grupos da família com aquelas risadas de “olha que louco!”. Mas por trás dessa imagem curiosa e quase cômica, existe uma história bem mais complexa sobre comportamento animal, instintos de sobrevivência e riscos reais à saúde dos bovinos.

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Quem tem criação sabe: bovino é um bicho curioso, e quando a coisa tá difícil no pasto, eles não pensam duas vezes antes de improvisar. Mas será que esse comportamento é normal? E mais importante: será que deixar o gado ter acesso livre às mangueiras pode trazer problemas sérios?

Afinal, é normal vaca ficar em pé nas patas traseiras?

Aqui a resposta precisa de um pouco de contexto. Diferente dos cavalos, que possuem mecanismos anatômicos específicos para descansar em pé por longos períodos, as vacas não compartilham essa habilidade. A anatomia bovina foi desenvolvida pra períodos prolongados de descanso deitada, e isso não é à toa.

Porém, quando se trata de alcançar alimento, bovinos demonstram uma flexibilidade comportamental surpreendente. Como animais sociais que vivem em grupo e pastam de 9 a 11 horas por dia, os bovinos são constantemente motivados pela busca de alimentação. Se a comida tá no alto, eles arranjam um jeito.

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O comportamento de se erguer nas patas traseiras não é completamente estranho pra espécie. Especialmente quando estão em situações de competição por recursos ou quando existe um alimento muito atrativo fora do alcance normal. Acontece que vacas tem instintos adaptativos fortes. Num ambiente natural ou em pastagens extensivas, elas se esticam pra pegar folhas mais altas de arbustos, por exemplo.

Mas aqui vai o ponto crítico: esse comportamento se torna preocupante quando o alimento em questão apresenta riscos. E manga entra nessa categoria com louvor.

Manga no cardápio bovino: delícia ou cilada?

Vamos ser sinceros: manga é irresistível. Doce, suculenta, aromática. E os bovinos pensam exatamente a mesma coisa. A manga é muito palatável para o gado, principalmente porque ela é muito rica em açúcares.

Foto: divulgação – Embrapa

A manga tem bom valor nutritivo e é bastante palatável para bovinos. Normalmente a fruta é mastigada, a casca e a polpa são ingeridas e o caroço cuspido. Até aí, tudo bem. O problema começa quando o bicho resolve engolir a fruta inteira. Com caroço e tudo.

Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Rodrigo da Costa Gomes, dois problemas sérios podem derivar do consumo de manga por bovinos.

Timpanismo: o perigo mortal do caroço

O problema mais grave é o timpanismo, que ocorre pela obstrução do esôfago do animal. Dependendo do tamanho da manga, isso impede o bovino de conseguir se alimentar normalmente e expelir os gases que ele produz durante a digestão.

O caroço pode obstruir o esôfago, provocando timpanismo por impedir a eructação (saída dos gazes produzidos no estômago), ou pode obstruir a passagem do estômago para o intestino.

Quando o gado não consegue expelir os gases naturais da digestão, o rúmen incha de forma perigosa. O timpanismo é uma doença que impossibilita a eructação, causando acúmulo de gases e podendo levar o animal à morte. Isso impede que o bovino respire direito e, em casos extremos, leva o animal à morte rapidamente.

Um relato científico mostra a gravidade da situação: num caso registrado em Sergipe, uma vaca leiteira em final de gestação apresentou timpanismo recidivante após ingerir manga. Durante cirurgia, foram retirados 174 caroços de manga do rúmen, mas o animal veio a óbito seis horas depois do procedimento.

Acidose ruminal: o açúcar que desequilibra

O segundo problema é metabólico. O açúcar da manga fermenta muito rapidamente no rúmen do animal e causa acidose ruminal, uma acidificação do rúmen. Esse problema metabólico pode levar à morte ou causar redução significativa no desempenho do animal.

A acidose ruminal compromete todo o sistema digestivo do bovino e afeta diretamente a saúde e a produtividade do rebanho.

Outros alimentos que oferecem riscos semelhantes

Todo alimento que possa estar em um tamanho que cause obstrução, principalmente no esôfago, representa risco. São comuns relatos de obstrução com laranja, abacate e até tubérculos como pedaços de mandioca ou batata.

Especialmente o pequeno produtor, que às vezes quer alimentar o gado no período seco sem atentar-se ao tamanho do alimento servido, pode acabar causando obstruções fatais sem perceber.

É comum vacas comerem manga da árvore?

Sim, é mais comum do que a maioria imagina. Especialmente em pequenas propriedades rurais onde as árvores frutíferas dividem espaço com as pastagens. Casos de animais que tem algum problema por excesso de ingestão de frutas como manga, abacate ou laranja são recorrentes no Brasil.

Durante a época de safra, quando as mangas maduras começam a cair, os bovinos são naturalmente atraídos pelo cheiro e sabor adocicado. E quando as frutas no chão acabam, alguns animais mais “espertos” descobrem que podem alcançar as frutas ainda nos galhos – daí surgem as cenas de vacas “acrobatas”.

O que fazer: orientações para pecuaristas

A recomendação dos especialistas é clara: prevenir o acesso.

O acesso às mangas deve ser evitado com cercas ou derrubando-se e recolhendo as frutas. Cortar a fruta ao meio já reduz o caroço a um tamanho seguro.

Se possível, cerque a área de fruteiras para que os animais não tenham acesso à manga que cai no chão. Mesmo se não for possível cercar, no momento que as frutas estiverem caindo maduras, recolha-as para que o animal não tenha acesso.

Algumas soluções práticas incluem:

  • Cercar as mangueiras durante a época de produção
  • Recolher diariamente as frutas caídas no chão
  • Picar as mangas antes de oferecer aos animais (se for o caso de usar como suplemento controlado)
  • Monitorar o comportamento do rebanho próximo às árvores frutíferas
  • Consultar um veterinário ao primeiro sinal de timpanismo ou desconforto abdominal

Sinais de alerta: quando buscar ajuda veterinária

Pecuaristas devem ficar atentos a sinais de timpanismo:

  • Aumento visível na região do abdômen (especialmente flanco esquerdo)
  • Animal para de se alimentar repentinamente
  • Demonstra dor abdominal (escoiceando a região ventral)
  • Dificuldade respiratória
  • Inquietação e desconforto

Nesses casos, é necessário intervenção imediata para evitar a morte do animal.

A lição por trás do vídeo viral

Aquela vaca se equilibrando nas patas traseiras pra pegar manga pode parecer engraçada, mas conta uma história importante sobre instintos, adaptação e os riscos silenciosos da convivência entre criação animal e árvores frutíferas.

O comportamento em si, de se erguer nas patas traseiras, não é necessariamente problemático. É parte da capacidade adaptativa dos bovinos. O problema real está no que eles estão tentando alcançar e nos riscos associados.

Como sempre na pecuária, conhecimento é poder. Entender os comportamentos naturais dos animais e os perigos potenciais permite ao produtor tomar decisões informadas que protegem tanto o bem-estar do rebanho quanto a rentabilidade da atividade.

Então da próxima vez que você ver um vídeo desses, pode até sorrir. Mas lembre-se de compartilhar também a informação: mangueira no pasto precisa de atenção. Afinal, prevenir sempre foi melhor que remediar.