Falta de regulamentação do Pagamento por Serviços Ambientais ainda impede que mais de 6,3 milhões de pequenos produtores brasileiros transformem conservação em renda
Foto: Arquivo pessoal

Um projeto de reflorestamento em Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, demonstra como produtores rurais podem gerar renda com preservação ambiental. O engenheiro mecânico Fábio Garcia, proprietário da Fazenda Copaíba, plantou cerca de 12 mil mudas nativas em áreas que não geravam receita com lavoura ou pecuária. E transformou o passivo em ativo ambiental lucrativo.

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O advogado tributarista do agro Fernando Melo de Carvalho analisa o caso e aponta que a iniciativa revela o potencial do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Segundo ele, existe um caminho possível para conciliar produtividade, preservação e renda no campo, mas a falta de regulamentação ainda impede que o benefício alcance os mais de 6,3 milhões de pequenos produtores brasileiros.

Pequenos produtores preservam mais, mas recebem menos incentivos

O Brasil registra 6.382.832 propriedades rurais pequenas (com menos de 100 hectares), o que representa 93,2% do total de imóveis rurais do país, segundo dados oficiais do INCRA. As propriedades médias somam 343.977 unidades (5%) e as grandes, 123.579 (1,8%).

“Quem mais preserva no Brasil recebe menos incentivo fiscal”, afirma Fernando Melo de Carvalho. O tributarista explica que, mesmo quando conservam áreas relevantes, os pequenos e médios produtores enfrentam barreiras para transformar a preservação ambiental em renda.

“O produtor rural tem interesse direto em preservar o meio ambiente. Mas ele precisa de segurança jurídica e de incentivo real. Enquanto a legislação continuar incompleta, o país perde produtividade e sustentabilidade ao mesmo tempo”, destaca o advogado.

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Lei do PSA existe desde 2021, mas regulamentação emperra

A Lei nº 14.119/2021 criou a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para remunerar propriedades rurais que conservam florestas, água, solo e biodiversidade. Na prática, porém, a ausência de regulamentação e de um cadastro nacional estruturado impede que os produtores usufruam completamente do benefício fiscal.

“Temos mecanismos de proteção ambiental que funcionam como normas indutoras no direito. Se a lei oferecesse isenção de imposto pelas receitas geradas com preservação ou plantio de mata nativa, o produtor naturalmente se adequaria para ter ganho financeiro. Isso desonera, estimula e preserva ao mesmo tempo”, explica Fernando.

O especialista aponta que atualmente o produtor rural que deseja restaurar áreas degradadas e fazer uso econômico dispõe quase que apenas do modelo baseado em créditos de carbono. Esses certificados custam caro, exigem validação no exterior e focam em projetos de grande escala.

Como funciona o projeto de reflorestamento da Fazenda Copaíba

A Fazenda Copaíba possui 275 hectares. Desse total, 70 hectares já abrigam matas nativas preservadas. Outros 30 hectares apresentam trechos de alta inclinação, áreas alagadiças e margens de represas — espaços que não geram receitas com lavoura ou pecuária.

“A área era inviável economicamente para lavoura de soja e milho. Tenho 15% das minhas terras que não servem para plantio e só geram despesas de manutenção com zero de receita. Pensei: ‘Por que não transformá-las em ativos ambientais de matas nativas e obter receitas com elas?'”, relata Fábio Garcia.

O produtor conta que encontrou referência na Prefeitura de Extrema (MG), que remunera pequenas propriedades por serviços ambientais desde 2001 com grande sucesso. “Pelo que conheço do Brasil, essa terra ociosa existe em quase todas as pequenas propriedades rurais. Nós adaptamos o modelo para o B2B”, explica.

Contratos com empresas e prefeitura viabilizam o negócio

Fábio criou uma empresa específica para plantar árvores em sua fazenda. Em seguida, ofereceu a área como solução de compensação ambiental para empresas com passivos ambientais — entre elas, indústrias, empreendimentos logísticos e o poder público municipal.

Foto: Arquivo pessoal

“Rapidamente fechamos três contratos com duas empresas de galpões logísticos e com a Prefeitura de Pouso Alegre, que tinham obrigações de plantios de compensação para licenciamentos ambientais. Desde 2024, plantamos 12 mil mudas e mantemos incrível índice de sobrevivência de 99%”, comemora o produtor.

Tributarista orienta enquadramento jurídico como PSA

Para transformar o projeto em modelo juridicamente sustentável, Fábio seguiu orientação do tributarista Fernando Melo de Carvalho. O advogado enquadrou a receita recebida pelo produtor como Pagamento por Serviços Ambientais — e não como prestação de serviço comum — com base na Lei nº 14.119/2021.

O especialista aplicou a isenção prevista no contrato com ente público e sugeriu que a Fazenda Copaíba fizesse consulta específica à Receita Federal sobre outros contratos de PSA.

“Na medida em que pequenos e médios produtores reflorestarem partes inutilizadas de suas propriedades, eles podem celebrar contratos de PSA e receber os valores com isenção fiscal já prevista na legislação”, explica Fernando.

O tributarista esclarece que esse tratamento tributário diferenciado aumenta a remuneração obtida com o reflorestamento como forma de incentivar o serviço ambiental prestado pelo produtor rural.

“Esse produtor planta e conserva novas matas nativas em sua fazenda, em áreas que sofreram desmatamento nos séculos passados, quando isso era normal e até estimulado por políticas públicas. É justo e correto que o produtor tenha receitas pelos benefícios ambientais dos investimentos realizados. É um negócio limpo, sustentável e que deveria receber estímulo por lei”, afirma Carvalho.

Cadastro Nacional de PSA ainda não existe

O tributarista esclarece que produtores que trabalham para preservar o meio ambiente deveriam ter isenção sobre o valor recebido, mas a legislação prevê um mecanismo que o governo ainda não disponibilizou.

“A Lei nº 14.119/2021 criou o PSA, mas sem a criação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, o incentivo não chega aos pequenos e médios produtores. Não conseguimos aplicá-lo nos contratos entre particulares”, esclarece Carvalho.

Segundo o advogado, o caso da Fazenda Copaíba ilustra exatamente o potencial do PSA no campo. O modelo mostra que existe um caminho possível para conciliar produtividade, preservação e renda, desde que o arcabouço legal acompanhe essa realidade.

O produtor planta, conserva e recebe para manter a floresta viva. Enquanto isso, empresas e prefeituras cumprem suas obrigações de compensação ambiental de forma simples, transparente e alinhada à realidade local.

Falta de regulamentação impede expansão do modelo

O tributarista aponta que a ausência de regulamentação da lei federal impede que o modelo seja expandido em larga escala com segurança jurídica. Isso impossibilita que todas as propriedades rurais do país sejam beneficiadas com esse incentivo em todos os contratos.

“No caso concreto, diversas empresas e particulares demonstram interesse, mas muitas vezes não conseguimos realizar os negócios pelo custo e incerteza com a tributação. A Lei do PSA é de 2021 e até hoje não temos o cadastro nacional. Isso barra diversos contratos por onerar o recebimento pelo produtor rural, o que ao fim leva ao seu desinteresse”, conclui Fernando Melo de Carvalho.