Com o adiamento da entrada em vigor da Regulamentação Antidesmatamento da União Europeia (EUDR), a cadeia produtiva da pecuária no Brasil enxerga uma oportunidade para se preparar e atender às exigências ambientais do mercado europeu.
A nova data de implementação, que foi estendida para 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas e 30 de junho de 2026 para pequenas e microempresas, traz alívio e a oportunidade de um maior ajuste por parte do setor.
Durante o evento “Diálogo Inclusivo”, promovido pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS) na última quarta-feira (9), especialistas do setor discutiram os principais desafios e oportunidades que a nova norma trará. O Brasil detém um dos maiores rebanhos bovinos do mundo, com cerca de 238 milhões de cabeças de gado. E é líder global em exportações de carne bovina. Apenas nos primeiros nove meses de 2024, o país exportou 2,1 milhões de toneladas de carne bovina, um aumento expressivo de 28% em relação ao mesmo período de 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A crescente demanda por práticas sustentáveis em mercados internacionais, especialmente na Europa, torna o cumprimento da EUDR uma questão essencial para o Brasil manter sua competitividade. Lisandro Inakake, gerente de projetos do Imaflora e vice-presidente da Comissão Executiva da MBPS, destacou a importância do evento para abrir um ciclo de diálogos voltados à pecuária sustentável. “O primeiro Diálogo Inclusivo da MBPS atingiu seus objetivos. Instalando um ciclo que conduziremos nos próximos dois anos para incidir em favor da pecuária sustentável. E também por ter conseguido colocar em cima da mesa os desafios operacionais de ambos os lados: o papel do Governo e os incômodos do setor produtivo”, disse Inakake.
Desafio e oportunidade
Embora o adiamento tenha sido bem-visto pelos participantes, muitos alertaram que o regulamento da EUDR ainda precisa de ajustes. Alexander Rose, diretor do Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha, apontou para as incertezas operacionais. “Existem grandes riscos e problemas críticos, principalmente no lado operacional da norma. Quantos documentos devem ser apresentados, quais seriam eles, quem faz o quê. Muitas perguntas abertas ainda”, afirmou Rose. Essas lacunas podem complicar a implementação da lei e criar desafios para os pequenos produtores, que possuem menos recursos para se adaptar rapidamente às novas exigências.
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José Pádua, gerente técnico do Sistema Famasul, foi mais enfático ao expressar a preocupação do setor produtivo em relação à soberania do Brasil. “A regra da UE é muito bem-intencionada, mas fere a soberania nacional, se sobrepõe às regras nacionais e isso vemos com muita preocupação. Não podemos receber uma normativa dessas de forma tranquila e passiva”, comentou. Para ele, é importante que o Brasil tenha voz ativa no desenvolvimento e na aplicação de normas globais que afetem sua cadeia produtiva.
Vantagens competitivas
Apesar das críticas, alguns veem a EUDR como uma oportunidade para que o Brasil capitalize suas vantagens competitivas no cenário global. Bruno Leite, coordenador geral de produção animal do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), acredita que o país pode sair na frente de outros mercados. Isso se mostrar que possui uma estrutura ambiental robusta e mecanismos eficazes de monitoramento do desmatamento. “Não podemos perder a oportunidade do que é essa norma para nossa cadeia produtiva. Temos a possibilidade de sair na frente de muitos mercados, temos um diferencial comparativo que podemos aproveitar ao nosso favor”, ressaltou Leite.
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Leonel Almeida, gerente de sustentabilidade da Marfrig, complementou destacando que grande parte da cadeia produtiva brasileira já está adequada às exigências da EUDR. “Cerca de 70% está totalmente aderente a todos os requisitos da EUDR. Precisamos só melhorar o fornecimento indireto”, afirmou Almeida, referindo-se aos pequenos fornecedores que ainda precisam se adequar.
Diálogo e colaboração
O evento também mostrou a importância do diálogo e da colaboração entre os diversos elos da cadeia produtiva, do governo e de organizações internacionais para atender às exigências ambientais globais sem comprometer a competitividade do setor. O Diálogo Inclusivo faz parte de uma série de encontros promovidos pela MBPS em parceria com o Solidaridad e o projeto SAFE (Sustainable Agriculture for Forest Ecosystems), liderado pela Cooperação Alemã GIZ e com apoio da União Europeia e do Ministério Federal Alemão para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ).
O adiamento da EUDR oferece uma chance para que o Brasil, um dos maiores exportadores globais de carne bovina, não apenas se adapte às normas europeias. Mas também mostre ao mundo que pode liderar a transição para uma produção mais sustentável. Como ressaltou Lisandro Inakake, a colaboração entre os elos da cadeia e o desenvolvimento de soluções inovadoras serão fundamentais para superar os desafios. E garantir que a pecuária brasileira continue a crescer de maneira sustentável e competitiva.