Resumo da notícia
- Um fóssil de caranguejo de 85 milhões de anos, nomeado Sabellidromites santamarta, foi descoberto na Ilha James Ross, Antártida, revelando conexões antigas entre continentes e ecossistemas do Cretáceo.
- O exemplar é raro por preservar detalhes ventrais completos, oferecendo insights sobre a anatomia e o modo de vida dos caranguejos primitivos da família Dynomenidae, quase extinta atualmente.
- A pesquisa destaca a Antártida do Cretáceo como um ambiente quente e verde, diferente do atual, e levanta questões sobre o deslocamento de espécies entre os hemisférios por antigos mares e continentes.
- A expedição enfrentou condições extremas por 32 dias, reforçando a importância do sítio Santa Marta como uma cápsula do tempo para futuras descobertas sobre a história evolutiva dos crustáceos e a geografia antiga.
O vento corta o rosto. A neve cobre tudo. No extremo sul do planeta, um grupo de brasileiros ajoelha diante de uma rocha antiga. Dentro dela, o tempo guardou um segredo, um caranguejo de 85 milhões de anos.
O fóssil acaba de ganhar nome: Sabellidromites santamarta. Um parente distante dos caranguejos que hoje vivem em recifes tropicais. Um visitante improvável da Antártida.
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Descoberto na Ilha James Ross durante a 41ª Operantar, o exemplar virou pista de uma história maior: a “dança” dos continentes e as antigas conexões entre os hemisférios. Os cientistas o apelidaram de “primo Gondwana da Antártida”.

“É um achado raro, especialmente por preservar detalhes da parte ventral, algo quase nunca visto”, explica Daniel Lima, paleontólogo do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (Urca-CE). As pernas, o abdome, a anatomia completa, tudo ajuda a entender como viviam os caranguejos primitivos do Cretáceo.
Nova espécie
O estudo, publicado no Journal of Paleontology, apresenta o fóssil como uma nova espécie da família Dynomenidae, um grupo hoje quase extinto, remanescente de tempos em que os mares eram mais quentes e as fronteiras entre oceanos ainda flutuavam.

Marcos Tavares, curador do Museu de Zoologia da USP, destaca: “Cada novo exemplar desse grupo é uma peça rara da história evolutiva dos crustáceos.”

Distância
A jornada até ali foi árdua. Do Rio de Janeiro até Punta Arenas, depois navio, helicóptero e acampamento. Trinta e dois dias de isolamento entre gelo e vento. “Ficamos cercados pela imensidão branca, caçando fósseis enquanto as barracas balançavam sob rajadas de 70 km/h”, lembra Renato Ghilardi, paleontólogo da Unesp e coautor do estudo.

Mas o risco valeu a pena. O sítio de Santa Marta, onde o fóssil foi encontrado, é uma cápsula do tempo. Formações de arenito e cinzas vulcânicas revelam um delta antigo, com mares mornos e florestas densas, um mundo perdido sob o gelo. No Cretáceo, a Antártida era verde. E viva.

A descoberta reacende o debate sobre o deslocamento de espécies entre os Hemisférios Norte e Sul. Como esse caranguejo chegou ali? Pelas correntes do Mar de Tétis? Por canais entre Pangea e Gondwana? Ou nasceu de linhagens locais que sobreviveram ao isolamento?
São perguntas ainda abertas. Novas escavações e análises podem revelar outras conexões perdidas sob o gelo. “Há muito a ser encontrado. Cada fóssil recuperado é uma janela para o passado”, afirma Lima.
O artigo completo, The Antarctic’s Gondwanan cousin: a new Dynomenidae (Crustacea, Dromioidea) from the Santa Marta Formation, James Ross Basin, Antarctica, está disponível online.