BRS Sol Bahia e BRS Diamante revolucionam cultivo no Brasil
Foto: Davi Junghans/Embrapa

A foto que mudou o jogo do abacaxi brasileiro. Frutal, Minas Gerais, 2023. De um lado, uma plantação devastada. Do outro, frutos perfeitos brilhando ao sol. A imagem causou espanto. Enquanto 300 mil plantas de abacaxi Pérola morriam atacadas pela fusariose, dois canteiros vizinhos permaneciam intactos.

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Neles cresciam as variedades BRS Sol Bahia e BRS Diamante, desenvolvidas pela Embrapa. Era a prova definitiva que os pesquisadores precisavam.

“Foi um desastre nas plantações comerciais”, lembra Júlio Cesar Leonel, produtor local que quase perdeu tudo. “Mas nenhuma das plantas do experimento da Embrapa teve problema.”

O fungo que ameaça a abacaxicultura nacional

A fusariose não brinca. Causada pelo fungo Fusarium guttiforme, a doença ataca em média 20% das plantas. Mas pode chegar a 100%.

O prejuízo é total. O fruto perde completamente o valor de mercado. Não dá pra aproveitar nada.

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Frutos do abacaxi Pérola com fusariose. Foto: Davi Junghans/Embrapa

“A fusariose tem capacidade de eliminar uma plantação inteira”, explica Davi Junghans, pesquisador da Embrapa e líder do programa de melhoramento genético do abacaxi. “É diferente de doença foliar. Aqui, você perde tudo.”

Duas variedades, uma solução

As novas cultivares chegam ao mercado após anos de pesquisa. São irmãs germanas – mesma genealogia, características distintas.

BRS Sol Bahia:

  • Peso médio: 1,37 kg
  • Maturação: 2 semanas após o Pérola
  • Polpa creme, alto teor de açúcar

BRS Diamante:

  • Peso médio: 1,67 kg
  • Maturação: 30 dias após o Pérola
  • Janela comercial ampliada

Ambas trazem vantagens além da resistência. Poucos espinhos facilitam o manejo. Frutos mais firmes resistem melhor ao transporte. E a produtividade impressiona: 56 toneladas por hectare, contra média nacional de 26 t/ha.

Do laboratório ao campo: a jornada das pesquisas

Tudo começou em 2012. A Embrapa cruzou uma variedade amazônica (FRF 632) com a cultivar Gold (MD-2). Das sementes obtidas, surgiram genótipos promissores.

A primeira barreira? Resistência à fusariose. Os experimentos em Frutal iniciaram em 2018. Três ciclos de plantio. 900 plantas no teste final de 2023.

Equipes da Embrapa e da fazenda no meio do ensaio da Embrapa com os novos híbridos e o plantio da variedade Pérola atacado pela fusariose no entorno, em Frutal (MG). Foto: Davi Junghans/Embrapa

Enquanto isso, a lavoura comercial vizinha entrava em colapso. Das 300 mil plantas de Pérola, 95% foram atacadas.

“Eu tinha 300 mil plantas por ano”, conta Leonel. “Depois daquele prejuízo enorme, só consegui plantar 90 mil. Agora tô investindo nas variedades da Embrapa.”

O detalhe que faz diferença

Tem um ponto crucial aqui. As novas variedades não podem ser colhidas verdes.

O abacaxi é fruto não climatérico, ou seja, não amadurece depois de colhido. O Pérola precisa sair da roça verde. Já o BRS Sol Bahia e o Diamante devem estar coloridos, com casca 50% a 75% amarela.

“O consumidor associa amarelo com abacaxi passado”, comenta Daniel Angelucci, pesquisador da Epamig. “Precisamos mudar essa percepção. Esses materiais exigem colheita colorida, senão ficam ácidos.”

É questão de educação do mercado.

Minas Gerais no centro da revolução

O lançamento oficial acontece em 12 de novembro, na Fazenda Agrícola Boa Vista, em Frutal. O município é o maior produtor mineiro, com 2,6 mil hectares cultivados.

Minas ocupa terceiro lugar nacional na produção de abacaxi, atrás apenas da Paraíba e do Pará. São 5,2 mil hectares em produção, mais 3,6 mil em formação. Previsão anual: 160 mil toneladas.

A agricultura familiar responde por quase 80% desse volume. “O abacaxi virou opção de diversificação”, destaca Deny Sanábio, coordenador técnico de fruticultura da Emater-MG. “Gera muita renda e emprego no Triângulo Mineiro.”

Sem fungicida, mais segurança

A resistência genética traz benefício duplo. O produtor economiza em defensivos químicos. O consumidor recebe frutos sem resíduos de fungicidas.

“Nossos materiais possuem conjunto de características superiores”, afirma Junghans. “E é resistência total, não tolerância.”

Foto: Davi Junghans/Embrapa

A diferença importa. Tolerância significa que a planta aguenta a doença mas sofre. Resistência significa que o patógeno não consegue se estabelecer.

Rede Ananás: mudas de qualidade em escala

Produzir um hectare de abacaxi exige 35 mil mudas. É volume considerável. A Embrapa criou a Rede Ananás para organizar a multiplicação. Biofábricas produzem material via micropropagação. Os “taleiros” – produtores especializados – multiplicam usando técnica de seccionamento do talo.

“É importante adquirir mudas dos licenciados”, alerta Herminio Rocha, coordenador da rede. “Garante origem genética e sanidade.”

O edital de licenciamento já selecionou empresas. Resultado sai até fim do ano.

Brasil no cenário mundial

O país produz anualmente 1,5 bilhão de frutos. É quarto maior produtor mundial, segundo dados da FAO (2024).

Mas enfrentava gargalo sério com a fusariose. As principais variedades comerciais, Pérola, Smooth Cayenne e Turiaçu, são todas suscetíveis.

Agora o jogo muda.

O lançamento se conecta aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Especificamente ao ODS 2: “Fome zero e agricultura sustentável”.

A Embrapa mantém desde 2017 a Rede ODS, que gerencia pesquisas alinhadas à Agenda 2030.

Reduzir uso de fungicidas, aumentar produtividade, garantir renda para agricultura familiar. Tudo isso encaixa na missão.

Próximos capítulos

Após o lançamento em Frutal, novas ações estão programadas. Itaberaba (BA) recebe promoção em dezembro de 2025. São Francisco do Itabapoana (RJ) no segundo semestre de 2026.

Validações agronômicas já foram conduzidas em oito estados: Bahia, Pará, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso e Ceará.

A tecnologia está pronta. Agora é hora de espalhar.

“Essas variedades atendem à principal demanda para sustentabilidade da abacaxicultura brasileira”, conclui Junghans.

Aquela foto de 2023 em Frutal não mente. Onde tudo morreu, duas variedades permaneceram de pé.

Para mais informações sobre as cultivares BRS Sol Bahia e BRS Diamante, ouça o podcast Raiz & Fruto da Embrapa ou acesse www.embrapa.br

O evento de lançamento conta com apoio da Epamig, Emater-MG, Prefeitura de Frutal, Coopercisco, Sebrae, Sicredi e Sicoob.