Salvaguardas aprovadas ameaçam benefícios para produtores brasileiros. Brasil questiona viabilidade do acordo diante de novas restrições
Foto: divulgação - Agência Brasil

A Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (Inta) aprovou nesta segunda-feira (8) um mecanismo de salvaguardas para importações agrícolas vinculadas ao acordo comercial da União Europeia com o Mercosul. O objetivo é proteger setores sensíveis do agronegócio europeu diante de um possível aumento das compras de alimentos estrangeiros.

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A votação registrou 27 votos favoráveis, oito contrários e sete abstenções. Os deputados endureceram algumas propostas que a própria comissão havia apresentado em outubro, reduzindo prazos e percentuais que acionam medidas de proteção.

O texto aprovado prevê a possibilidade de abertura de investigações comerciais contra o Mercosul quando as vendas de produtos agrícolas considerados sensíveis aumentarem, em média, 5% ao longo de três anos. A proposta original de outubro estabelecia um limite de 10%. As investigações também podem ser ativadas quando os preços internos desses produtos no mercado europeu caírem 5% em uma média de três anos.

Os deputados também reduziram o tempo de duração das investigações de seis para três meses em geral, e de quatro para dois meses no caso de produtos sensíveis, para implementar salvaguardas mais rapidamente. A comissão aprovou ainda uma emenda afirmando que as salvaguardas podem assumir a forma de uma obrigação de reciprocidade, exigindo que os países do Mercosul apliquem os padrões de produção da UE.

Brasil questiona viabilidade do acordo diante de novas restrições

A medida foi muito mal recebida em Brasília, que fala em resistir à tentativa da UE de incluir esse mecanismo no acordo. Altos funcionários do governo brasileiro avaliam que o mecanismo pode minar a viabilidade do acordo de livre comércio como um todo.

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Segundo esses interlocutores, as cotas anuais impostas pela União Europeia já limitavam fortemente a ampliação das exportações de produtos agrícolas do Mercosul: 99 mil toneladas de carne bovina, 180 mil toneladas de carne de frango, 25 mil toneladas de carne suína, 180 mil toneladas de açúcar e 30 mil toneladas de queijos. Conforme avaliação de um alto funcionário brasileiro, se o agronegócio do Cone Sul não puder se beneficiar nem mesmo dessas cotas limitadas, é preciso reavaliar o próprio acordo.

O Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, será um dos principais beneficiários do acordo de livre comércio. A União Europeia representa o segundo maior destino das exportações do agro brasileiro, atrás apenas da China. Em 2024, o país asiático respondeu por 30% do que o Brasil obteve com essas vendas (em valores), contra 14% da UE e 7,3% dos Estados Unidos, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Votações decisivas acontecem entre 16 e 20 de dezembro

A votação dos países da União Europeia sobre o acordo de livre comércio com os membros do Mercosul foi agendada para os dias 16 e 19 de dezembro. O próximo passo será a votação no plenário do Parlamento Europeu, que acontece em 16 de dezembro. Para ser aprovado, o acordo terá de ter maioria simples.

Nos dias 18 e 19 de dezembro, o acordo precisará do aval do Conselho Europeu Notícias ao Minuto. O colegiado precisa de 55% dos países (15 dos 27), somando pelo menos 65% da população total do bloco, para aprová-lo e permitir sua assinatura efetiva.

A assinatura do acordo está prevista para 20 de dezembro, durante a próxima reunião da Cúpula dos Líderes do Mercosul, em Foz do Iguaçu (PR). O Brasil ocupa a presidência rotativa do bloco neste semestre.

França e Polônia mantêm oposição apesar das salvaguardas

França e Polônia mostraram-se contra o acordo comercial entre a União Europeia e Mercosul. Enquanto a maioria dos países se mostra a favor, em vésperas de votações decisivas para ratificar o acordo. A diplomacia francesa, preocupada com a concorrência ao seu poderoso setor agrícola e devido às preocupações ambientais, voltou a mostrar-se contra o acordo.

Produtores da UE protestaram diversas vezes contra a negociação. A França teme que o acordo exponha agricultores europeus a uma concorrência desleal de seus pares sul-americanos, que enfrentam regulamentações menos rígidas. Agricultores organizaram uma grande manifestação em Bruxelas para o dia 18 de dezembro, durante uma cúpula de líderes europeus.

Diplomatas de Portugal, Espanha, República Checa, Países Baixos, Suécia, Croácia, Alemanha, Eslovénia e Malta demonstraram o apoio ao acordo que visa eliminar a maioria das taxas aduaneiras de importação para criar uma das maiores zonas de livre comércio do mundo.

No Conselho Europeu, o voto da Itália é considerado decisivo para a aprovação do acordo. Apesar das pressões do setor agrícola, o governo de Giorgia Meloni já se declarou favorável ao texto. Como terceiro país mais populoso da UE, a Itália pode contrabalançar a oposição de França e Polônia.

Acordo negociado há 25 anos pode criar zona de livre comércio com 718 milhões de pessoas

Em 6 de dezembro de 2024, os líderes do MERCOSUL e da União Europeia anunciaram, em Montevidéu, a conclusão das negociações do Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia. As discussões começaram em 1999 e avançaram até o acordo inicial de 2019; depois disso, só retomaram em 2024, por iniciativa da Comissão Europeia.

O Acordo integrará dois dos maiores blocos econômicos do mundo. Juntos, MERCOSUL e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e Produto Interno Bruto (PIB) de aproximadamente US$ 22 trilhões de dólares. O acordo não vale apenas para produtos agrícolas, mas este setor protagoniza boa parte dos embates.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou que este acordo inclui salvaguardas sólidas para proteger os meios de subsistência dos agricultores europeus Europa. Mais de 350 produtos da UE estão protegidos por uma indicação geográfica.

De acordo com uma fonte oficial da Comissão Europeia, o impacto estimado deste acordo será de mais de 40% para as exportações europeias. Percentagem que aumenta para 50% no caso dos produtos agrícolas.

No fim de novembro, o Parlamento Europeu aprovou um novo adiamento da lei que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento, agora prevista para 2026. O Brasil considera que essa regra poderá ter um impacto grande nas exportações para o bloco.